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DOHaD – RESTRIÇÃO DE CRESCIMENTO INTRAUTERINO E SEUS DESFECHOS

O conceito DOHaD se baseia na hipótese que fatores ambientais, maternos, de crescimento e desenvolvimento fetal/infantil atuando no início da vida (no momento da concepção, e/ou durante a vida fetal, infância e primeira infância) têm efeitos profundos sobre a vulnerabilidade à doenças mais tarde na vida, geralmente na idade adulta (Gluckman, 2010).

Entretanto, parece repercutir em uma fase precoce, como ao nascimento, onde foi demonstrada uma associação entre restrição de crescimento intrauterino (RCIU) e resposta hedônica ao sabor doce (Ayres et. al., 2012), e na infância onde observamos associação entre baixo peso ao nascer e sobrepeso na infância (Ong et. al., 2000; Walker et. al., 2002).

Uma das possíveis hipóteses para a relação baixo peso ao nascer com sobrepeso, seria a teoria do fenótipo poupador (a hipótese de Barker), propondo que uma superalimentação na fase pós-natal precoce de recém-nascidos com baixo peso poderia contribuir substancialmente para o risco a médio e longo prazo de obesidade e diabetes (Plagemann, 2006). Outra hipótese seria a programação, onde um estímulo/insulto aplicado durante uma fase de alta plasticidade pode causar consequências sobre as estruturas e funções do organismo (Lucas Alan, 1994; Barker, 1998).  

Os estudos nesta área do DOHaD se iniciaram com as observações epidemiológicas de Barker e colaboradores, que associavam o baixo peso ao nascer com risco cardiovascular na vida adulta (Barker et. al., 1993; Barker, 1998).

Barker e colaboradores demonstraram que a associação do baixo peso ao nascer com maior risco cardiovascular na vida adulta é sustentada principalmente na restrição de crescimento intrauterino (RCIU) como o fator causal dessa associação (Barker et. al., 1993; Barker, 1998). Propõe-se que essas alterações podem ser programadas durante a vida fetal (Barker et al., 1998).

A restrição de crescimento intrauterino é o resultado de uma série de condições maternas, fetais e placentárias (insuficiência vascular) que impedem que o feto atinja seu potencial total de crescimento intrautero. O termo RCIU é comumente utilizado para descrever recém-nascidos com um peso ao nascimento igual ou inferior a dois desvios-padrões para idade gestacional (Kramer MS,1987; Bassan et.al., 2011; Sclowitz e Santos, 2006).

Entretanto, o pesquisador Kramer propôs a razão de crescimento fetal como sendo uma medida mais apropriada para definição do RCIU (Kramer MS,1987; Kramer et.al., 1989; Kramer et al., 1999), definindo a severidade da restrição com base na razão de crescimento fetal (BWR), que é a proporção entre o peso ao nascer (em gramas) observado e a média do peso ao nascer (em gramas) específico para idade gestacional (em semanas) e sexo em uma determinada população. Dessa forma, o grau de restrição pode ser categorizado em BWR ≥0,85 como ausência de restrição; BWR <0,85 e ≥0,75 como restrição leve e BWR<0,75 como restrição grave (Kramer et al., 1999).

Estudos demonstram que a RCIU pode impactar a saúde do individuo e está associada com a resistência à insulina (Ravelli, 1998), obesidade (Ravelli, 1999), e doença cardiovascular (Forsén, 2004; Painter, 2006) na vida adulta.

Um estudo de coorte avaliou 42 crianças nascidas com RCIU e 464 crianças nascidas sem RCIU, e demonstrou que crianças nascidas com RCIU apresentam maior circunferência da cintura e insulina mais elevada. Os dados desta coorte sugerem que crianças nascidas com RCIU têm gordura abdominal aumentada e aumento de um dos biomarcadores de resistência à insulina (Crume et. al., 2014).

A RCIU tem relação com sensibilização do impacto hedônico a substâncias doces (Ayres et. al., 2012), impulsividade alimentar (Silveira et al., 2012), consumo alimentar aumentado por carboidratos em mulheres (Barbieri et. al., 2008) e índice de massa corporal (IMC) aumentado se RCIU e sobrepeso na infância em homens (Bettiol et. al., 2007).

Foram avaliados recém-nascidos pré-termos restritos, e se observou que quanto mais intensa a restrição de crescimento intrauterino menor a frequência da resposta hedônica a substância doce, ou seja, quanto mais restrito menor era a frequência de reações faciais hedônicas. A RCIU está fortemente correlacionada com a resposta hedônica a uma solução doce no primeiro dia de vida. Esta é a primeira evidência que demonstra que a resposta hedônica ao sabor doce é programada muito cedo durante a vida fetal, dependendo do grau de crescimento intrauterino, estudo realizado pela pesquisadora deste projeto (Ayres et.al., 2012).

Outro estudo demonstrou que meninas restritas com 3 anos de idade são mais impulsivas quando enfrentam uma atividade onde a recompensa é um doce (Silveira et. al., 2012). Além disso, outra pesquisa descreveu que a restrição de crescimento intrauterino pode alterar o consumo alimentar, onde se observa um maior consumo de carboidratos em mulheres jovens (BARBIERI et al., 2008).

Um estudo foi realizado para determinar se a restrição de crescimento intrauterino interage com sobrepeso na idade escolar primária para afetar o índice de massa corporal (IMC) em adultos jovens. Foram avaliados 519 indivíduos do sexo masculino, em duas fases, na idade escolar (8-11 anos) e no momento do serviço militar (18 anos de idade). Indivíduos com restrição de crescimento intrauterino tinham um IMC (0,68 kg/m2) menor que a dos indivíduos que não eram restritos. No entanto, o aumento do IMC foi muito maior (- 6,90 kg/m2) quando o indivíduo tinha nascido com restrição de crescimento intrauterino e tinha apresentado sobrepeso na idade escolar. Estes resultados indicam que o efeito da restrição de crescimento intrauterino no IMC aumentado aos 18 anos de idade tem relação com o ganho de peso durante a idade escolar (Bettiol et. al., 2007).

Uma pesquisa experimental realizada em ratos demonstrou que ratos com RCIU preferiam alimentos palatáveis, potencialmente devido a alterações no sistema mesolímbico (MOLLE et. al., 2015). A relação destes desfechos em relação à RCIU pode interferir no consumo alimentar e nas preferências alimentares. É sabida a influência do consumo alimentar de alimentos palatáveis com o risco no desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis (Vilchis-Gil et. al.,  2015). Hábitos alimentares podem contribuir para o desenvolvimento de obesidade, diabetes e doença cardiovascular (Sayon-Orea, 2015; Boeing, 2012; Bahadoran, 2012; Rouhani, 2012; Kollias, 2011).

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